Adoção não é caridade

terça-feira, 26 de junho de 2018
Adoção



Hoje vivemos em uma sociedade que para adotar uma criança não basta encontrar uma gestante pobre e fazer um acordo. Hoje você não pode mais pegar um bebê na porta do hospital e registrar como se ele fosse um filho biológico. Será que as pessoas de fato preferem aquela época onde gente com dinheiro ia tentar acordo com mulheres pobres, muitas vezes oferecendo cesta básica para os outros filhos dessa mulher? Onde essa mulher nunca ia ter nenhum acesso a saber desse filho, e esse filho, um ser humano com direitos, nunca ia ter direito a saber de sua história? É para adotar e apagar os seres humanos envolvidos? 
Quanto mais caminharmos para uma sociedade igualitária, as famílias terão mais condições de cuidar de seu planejamento familiar e cuidar das crianças que decidirem ter. Adoção é lindo, mas ela também é o resultado de algo, que quando nos melhores casos reflete apenas uma gravidez indesejada, mas também costuma envolver miséria extrema, violência e etc. Sério mesmo que a gente prefere que pessoas vivam em miséria, sem direitos sobre seus corpos e natalidade, só para que o corpo da mulher pobre vire uma fábrica de bebês para quem quer adotar? 
A adoção no Brasil se desenvolveu e a prioridade é a CRIANÇA... O objetivo lindo e solene da adoção é achar uma família para cada criança, e não uma criança para cada família. COM QUEM A GENTE ESTÁ MAIS PREOCUPADO? Com a criança ou com o adulto? 
Quanto mais esclarecimento, militância e divulgação de informações, mais e mais os candidatos são flexíveis em relação ao perfil da criança, e com isso a espera por determinado perfil vai crescer. Por exemplo, há uns 15 anos atrás as pessoas queriam adotar crianças de até 2 anos. Como resultado, as crianças de 3 anos eram preteridas pelos candidatos, e quem quisesse adotar uma criança nessa faixa etária não perderia muito tempo “na fila”. E quanto mais flexíveis forem os pretendentes, menos crianças e adolescentes crescerão sem família. Vocês sabiam que se os candidatos à adoção não tivessem nenhuma restrição, todas as crianças disponíveis para a adoção passariam a Páscoa esse ano já em casa? O respeito ao perfil é essencial, afinal evita que o número de “devoluções de crianças” cresça. Mas essas escolhas trazem esperas diferenciadas. 
Ah, se você é leigo no assunto, é isso mesmo que você leu. EXISTE DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS! Às vezes é porque a criança desenvolveu uma doença, as vezes é porque não chamou de pai e mãe, as vezes é porque é “preguiçoso” na escola, as vezes é porque fez pirraça, as vezes é porque eles só queriam a criança mais nova, mas aceitaram levar o mais velho para ver no que ia dar. Antes de saírem por aí em coro dizendo que a burocracia é burra e só prejudica as crianças, lembrem-se que mesmo assim pessoas despreparadas são habilitadas e crianças são devolvidas, ou seja, abandonadas novamente. 
Eu não consigo nem te contar o que foi trabalhar com um grupo de irmãos “devolvidos” 3 vezes. Casal 1: queria só o mais novo. Casal 2: gostou só da personalidade do mais velho. Casal 3: achou que não ia dar conta após um episódio de pirraça.
Temos que ficar FELIZES que hoje crianças de 3, 4, 5, 6 e 7 anos não são mais preteridas. Temos que ficar felizes que caso seja identificado que a família biológica de uma criança nessa faixa etária não tenha condições de cuidar dessa criança adequadamente (e isso não está - ou não deveria estar relacionado às condições financeiras), essa criança estará logo em sua família definitiva. 
Temos que ficar felizes que mesmo em nossa sociedade extremamente RACISTA, mais e mais pessoas estão assinalando que não se importam com a cor de pele. Antes crianças negras bem novinhas eram preteridas, hoje se for criança de até uns 6,7 anos, e saudável, será adotada facilmente. Será que a gente fica triste porque assinalar “cor de pele / etnia indiferente” não traz mais rapidez ao NOSSO processo? Será que a gente acha que as crianças negras tinham que “sobrar” para facilitar a nossa vida? 
Temos que ficar felizes que quanto mais informações temos sobre algumas doenças, menos as pessoas têm medo, e mais adoções acontecem. Crianças com HIV, Síndrome de Down, etc., tem mais chances hoje de serem adotadas do que há 5 anos atrás. E isso deve melhorar! Mas ainda assim eu conheço um caso recente onde a menina de menos de 1 ano foi rejeitada por diversas pessoas por ter intolerância à lactose. 
Pessoas imperfeitas exigem filhos perfeitos. Não entendo. Vamos ser imperfeitos juntos!
Parem de dizer que a criança cresce no abrigo com aval e conivência do judiciário como se as crianças fossem para o abrigo recém-nascidas e saíssem de lá somente aos 18 anos. Trabalhei em abrigo durante anos, e as crianças chegam ao abrigo quando alguma violação de direitos é identificada, quando isso acontece, a criança pode não ser mais um bebê de colo, geralmente não é. E daí o judiciário disponibiliza essa criança para adoção e ninguém a quer, porque ela já é mais velha e cheia de marcas de uma vida tão jovem e tão sofrida. 
Parem de dizer que quem adota faz um gesto lindo, que é caridade, que vai para o céu. Quem quer ajudar o outro apenas, doa dinheiro, faz trabalho voluntário ou qualquer outra coisa. Adoção é coisa séria, é se tornar pai e mãe, como qualquer um. Quem adota quer um filho e ponto. E é PRA SEMPRE! 
Lógico que o judiciário tem falhas. Falta carro para a visita domiciliar, deveria haver mais datas para os cursos obrigatórios e mais profissionais porque quem trabalha lá, trabalha muito e está esgotado. Mas não dá para colocar toda a sua frustração no judiciário, quem tem perfil amplo de fato não espera nem um dia na fila. 
E que ninguém mude seu perfil só para acelerar o processo, porque como sempre, quem sofre é a CRIANÇA! 
          Para quem quer entender mais do assunto, com acolhimento e informações reais, sugiro o grupo de apoio à adoção ReBuscando e a página Histórias de Adoção / Adoption Tales.

        

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