Adoção
Hoje vivemos em uma sociedade que para
adotar uma criança não basta encontrar uma gestante pobre e fazer um acordo.
Hoje você não pode mais pegar um bebê na porta do hospital e registrar como se
ele fosse um filho biológico. Será que as pessoas de fato preferem aquela época
onde gente com dinheiro ia tentar acordo com mulheres pobres, muitas vezes
oferecendo cesta básica para os outros filhos dessa mulher? Onde essa mulher
nunca ia ter nenhum acesso a saber desse filho, e esse filho, um ser humano com
direitos, nunca ia ter direito a saber de sua história? É para adotar e apagar
os seres humanos envolvidos?
Quanto mais caminharmos para uma
sociedade igualitária, as famílias terão mais condições de cuidar de seu
planejamento familiar e cuidar das crianças que decidirem ter. Adoção é lindo,
mas ela também é o resultado de algo, que quando nos melhores casos reflete
apenas uma gravidez indesejada, mas também costuma envolver miséria extrema,
violência e etc. Sério mesmo que a gente prefere que pessoas vivam em miséria,
sem direitos sobre seus corpos e natalidade, só para que o corpo da mulher
pobre vire uma fábrica de bebês para quem quer adotar?
A adoção no Brasil se desenvolveu e a
prioridade é a CRIANÇA... O objetivo lindo e solene da adoção é achar uma
família para cada criança, e não uma criança para cada família. COM QUEM A
GENTE ESTÁ MAIS PREOCUPADO? Com a criança ou com o adulto?
Quanto mais esclarecimento, militância
e divulgação de informações, mais e mais os candidatos são flexíveis em relação
ao perfil da criança, e com isso a espera por determinado perfil vai crescer.
Por exemplo, há uns 15 anos atrás as pessoas queriam adotar crianças de até 2
anos. Como resultado, as crianças de 3 anos eram preteridas pelos candidatos, e
quem quisesse adotar uma criança nessa faixa etária não perderia muito tempo
“na fila”. E quanto mais flexíveis forem os pretendentes, menos crianças e
adolescentes crescerão sem família. Vocês sabiam que se os candidatos à adoção
não tivessem nenhuma restrição, todas as crianças disponíveis para a adoção
passariam a Páscoa esse ano já em casa? O respeito ao perfil é essencial,
afinal evita que o número de “devoluções de crianças” cresça. Mas essas
escolhas trazem esperas diferenciadas.
Ah, se você é leigo no assunto, é isso
mesmo que você leu. EXISTE DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS! Às vezes é porque a criança
desenvolveu uma doença, as vezes é porque não chamou de pai e mãe, as vezes é
porque é “preguiçoso” na escola, as vezes é porque fez pirraça, as vezes é
porque eles só queriam a criança mais nova, mas aceitaram levar o mais velho para
ver no que ia dar. Antes de saírem por aí em coro dizendo que a burocracia é
burra e só prejudica as crianças, lembrem-se que mesmo assim pessoas
despreparadas são habilitadas e crianças são devolvidas, ou seja, abandonadas
novamente.
Eu não consigo nem te contar o que foi
trabalhar com um grupo de irmãos “devolvidos” 3 vezes. Casal 1: queria só o
mais novo. Casal 2: gostou só da personalidade do mais velho. Casal 3: achou
que não ia dar conta após um episódio de pirraça.
Temos que ficar FELIZES que hoje
crianças de 3, 4, 5, 6 e 7 anos não são mais preteridas. Temos que ficar
felizes que caso seja identificado que a família biológica de uma criança nessa
faixa etária não tenha condições de cuidar dessa criança adequadamente (e isso
não está - ou não deveria estar relacionado às condições financeiras), essa
criança estará logo em sua família definitiva.
Temos que ficar felizes que mesmo em
nossa sociedade extremamente RACISTA, mais e mais pessoas estão assinalando que
não se importam com a cor de pele. Antes crianças negras bem novinhas eram
preteridas, hoje se for criança de até uns 6,7 anos, e saudável, será adotada
facilmente. Será que a gente fica triste porque assinalar “cor de pele / etnia
indiferente” não traz mais rapidez ao NOSSO processo? Será que a gente acha que
as crianças negras tinham que “sobrar” para facilitar a nossa vida?
Temos que ficar felizes que quanto mais
informações temos sobre algumas doenças, menos as pessoas têm medo, e mais
adoções acontecem. Crianças com HIV, Síndrome de Down, etc., tem mais chances
hoje de serem adotadas do que há 5 anos atrás. E isso deve melhorar! Mas ainda
assim eu conheço um caso recente onde a menina de menos de 1 ano foi rejeitada
por diversas pessoas por ter intolerância à lactose.
Pessoas imperfeitas exigem filhos perfeitos. Não entendo. Vamos ser
imperfeitos juntos!
Parem de dizer que a criança cresce no
abrigo com aval e conivência do judiciário como se as crianças fossem para o
abrigo recém-nascidas e saíssem de lá somente aos 18 anos. Trabalhei em abrigo
durante anos, e as crianças chegam ao abrigo quando alguma violação de direitos
é identificada, quando isso acontece, a criança pode não ser mais um bebê de
colo, geralmente não é. E daí o judiciário disponibiliza essa criança para
adoção e ninguém a quer, porque ela já é mais velha e cheia de marcas de uma
vida tão jovem e tão sofrida.
Parem de dizer que quem adota faz um
gesto lindo, que é caridade, que vai para o céu. Quem quer ajudar o outro
apenas, doa dinheiro, faz trabalho voluntário ou qualquer outra coisa. Adoção é
coisa séria, é se tornar pai e mãe, como qualquer um. Quem adota quer um filho
e ponto. E é PRA SEMPRE!
Lógico que o judiciário tem falhas.
Falta carro para a visita domiciliar, deveria haver mais datas para os cursos
obrigatórios e mais profissionais porque quem trabalha lá, trabalha muito e
está esgotado. Mas não dá para colocar toda a sua frustração no judiciário,
quem tem perfil amplo de fato não espera nem um dia na fila.
E que ninguém mude seu perfil só para
acelerar o processo, porque como sempre, quem sofre é a CRIANÇA!
Para quem quer entender mais do assunto, com acolhimento e
informações reais, sugiro o grupo de apoio à adoção ReBuscando e a página
Histórias de Adoção / Adoption Tales.
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